sexta-feira, 17 de agosto de 2012

O CÃO QUE SALVOU DUAS VIDAS


    O trem desenvolvia uma certa velocidade que mal dava para Marlon observar a paisagem. Via-se mais as folhagens e árvores sem muita nitidez devido à proximidade, mas também ele não estava interessado nisso que nada representava. Estava abatido, triste e sem motivos para viver, com dois grandes problemas que o afligiam. Nesse momento estava voltando para casa, havia sido demitido do emprego onde trabalhava por vários anos e a alegação foi contenção de despesas na empresa. Sentiu-se um inútil e com dificuldade para arranjar outro emprego. O outro problema, o que mais o deixava depressivo, era com relação à fidelidade da esposa, quando fora advertido por pessoas bem próximas de que estava sendo traído. Marlon não quis acreditar, alimentava a esperança de que fossem apenas comentários maldosos e que tudo se resolveria com uma boa conversa com a esposa.

    Desceu cabisbaixo na estação e dirigiu-se para casa, onde a esposa não esperava que chegasse naquela hora. Poderia até tirar essa dúvida, chegando de mansinho, entrando pela parte de trás da residência, afinal ela achava que ele estaria no trabalho e não sabia da sua demissão. Entrou furtivamente pelo quintal, queria surpreendê-la com um abraço, um beijo, fazê-la pelo menos lhe dar um sorriso, porém o que viu deixou-o atônito, quase surpreso, pois queria acreditar que uma cena assim jamais veria. A esposa estava abraçada a um sujeito musculoso, sorridente, de vez em quando beijando-a ardorosamente, acariciando as suas partes íntimas. Parou e ficou a observar a lamentável cena, constrangido e em lágrimas, mas a esposa pressentiu a sua presença ali e o seu amante rapidamente fugiu. Mesmo surpresa ela o encarou, falou palavras duras e admitiu que não gostava mais dele. Ficou sabendo da sua demissão, o que a irritou mais ainda. Não houve violência nessa discussão devido a fragilidade emocional de Marlon, que se recolheu ao quarto. Ela juntou alguns pertences e saiu de casa, deixando-o bastante transtornado.

    Marlon deixou o quarto e ganhou a rua, dirigindo-se para um local ermo onde existia um precipício. Estava decidido a pular e acabar com a vida. Quando já intencionava dar início ao tresloucado ato, um latido chamou a sua atenção. Suspendeu o ato e olhou para trás, vendo que um cão latia insistentemente, indo até o local para ver do que se tratava, surpreendendo-se com uma criança em um cestinha envolta em panos. O pequeno cão parecia agradecer-lhe querendo subir em suas pernas, o que o sensibilizou bastante. Em seguida pegou a criança e levou para a cidade, comunicando o fato as autoridades, que em poucas horas identificou a mãe que havia abandonado a criança.

    O cão pertencia a mulher que se desfizera da criança e que agora estava detida. Marlon o adotou e agradeceu a ele por estar vivo nesse momento, sentindo-se um demente, um idiota que ia dar cabo da vida por coisas que poderiam ser resolvidas de outra forma. Aquela criancinha, aquele ser indefeso que fora abandonado, estava agora em uma creche onde Marlon sempre visitaria, sempre acompanhado do cão que salvou sua vida. Sentiu-se também responsável por salvar a vida de um ser inocente, que não tinha motivos para ser entregue à própria sorte.


(Texto extraído da poesia MARLON, O CÃO E A CRIANÇA).

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