O trem desenvolvia uma certa velocidade que
mal dava para Marlon observar a paisagem. Via-se mais as folhagens e árvores
sem muita nitidez devido à proximidade, mas também ele não estava interessado
nisso que nada representava. Estava abatido, triste e sem motivos para viver,
com dois grandes problemas que o afligiam. Nesse momento estava voltando para
casa, havia sido demitido do emprego onde trabalhava por vários anos e a
alegação foi contenção de despesas na empresa. Sentiu-se um inútil e com
dificuldade para arranjar outro emprego. O outro problema, o que mais o deixava
depressivo, era com relação à fidelidade da esposa, quando fora advertido por
pessoas bem próximas de que estava sendo traído. Marlon não quis acreditar,
alimentava a esperança de que fossem apenas comentários maldosos e que tudo se
resolveria com uma boa conversa com a esposa.
Desceu cabisbaixo na estação e dirigiu-se
para casa, onde a esposa não esperava que chegasse naquela hora. Poderia até
tirar essa dúvida, chegando de mansinho, entrando pela parte de trás da
residência, afinal ela achava que ele estaria no trabalho e não sabia da sua
demissão. Entrou furtivamente pelo quintal, queria surpreendê-la com um abraço,
um beijo, fazê-la pelo menos lhe dar um sorriso, porém o que viu deixou-o
atônito, quase surpreso, pois queria acreditar que uma cena assim jamais veria.
A esposa estava abraçada a um sujeito musculoso, sorridente, de vez em quando
beijando-a ardorosamente, acariciando as suas partes íntimas. Parou e ficou a
observar a lamentável cena, constrangido e em lágrimas, mas a esposa pressentiu
a sua presença ali e o seu amante rapidamente fugiu. Mesmo surpresa ela o
encarou, falou palavras duras e admitiu que não gostava mais dele. Ficou
sabendo da sua demissão, o que a irritou mais ainda. Não houve violência nessa
discussão devido a fragilidade emocional de Marlon, que se recolheu ao quarto.
Ela juntou alguns pertences e saiu de casa, deixando-o bastante transtornado.
Marlon deixou o quarto e ganhou a rua,
dirigindo-se para um local ermo onde existia um precipício. Estava decidido a
pular e acabar com a vida. Quando já intencionava dar início ao tresloucado
ato, um latido chamou a sua atenção. Suspendeu o ato e olhou para trás, vendo
que um cão latia insistentemente, indo até o local para ver do que se tratava,
surpreendendo-se com uma criança em um cestinha envolta em panos. O pequeno cão
parecia agradecer-lhe querendo subir em suas pernas, o que o sensibilizou
bastante. Em seguida pegou a criança e levou para a cidade, comunicando o fato
as autoridades, que em poucas horas identificou a mãe que havia abandonado a
criança.
O cão pertencia a mulher que se desfizera
da criança e que agora estava detida. Marlon o adotou e agradeceu a ele por
estar vivo nesse momento, sentindo-se um demente, um idiota que ia dar cabo da
vida por coisas que poderiam ser resolvidas de outra forma. Aquela criancinha,
aquele ser indefeso que fora abandonado, estava agora em uma creche onde Marlon
sempre visitaria, sempre acompanhado do cão que salvou sua vida. Sentiu-se
também responsável por salvar a vida de um ser inocente, que não tinha motivos
para ser entregue à própria sorte.
(Texto extraído da poesia
MARLON, O CÃO E A CRIANÇA).
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