sábado, 1 de setembro de 2012

UM ESPÍRITO SOLITÁRIO


    A antiga janela do quarto deixou entrar através da vidraça fosca uma claridade vinda do sol. O silêncio naquele momento me incomodava bastante, haja vista que antes escutava falatórios, pessoas entrando e saindo, médicos e enfermeiras pra lá e pra cá, enfim um movimento intenso. Eu acabara de despertar de um sono que me pareceu uma eternidade, tão longo que quase não me lembrava dos detalhes de estar ali naquele hospital público, sem as mínimas condições de higiene, com falta de medicamentos, um total descaso com a vida humana. Estranhei não ver ninguém ao meu lado, nenhuma enfermeira ou médico e nenhum paciente como eu. Afinal, onde estavam todos? O que teria acontecido para me deixarem só naquele ambiente que só cheirava a mofo, onde se viam teias de aranha e muita poeira? Isso era um hospital ou um depósito de sucatas? Sim, porque até os equipamentos que ali estavam eram velhos e enferrujados, roupas e panos limpos não se via, o caos era geral.

    Tinha dado um tempo para ver se aparecia alguém, se iam me administrar algum medicamento, mas o tempo passava e nada, nenhum sinal de vida naquele lugar que mais parecia um cemitério, foi então que percebi que não estava inválido, que poderia reunir forças e até levantar. Foi o que justamente fiz, deixando aquela cama fétida, nem os aparelhos estavam mais ligados à mim. Tudo era estranho e eu resolvi investigar, caminhando até o corredor, procurar uma viv’alma que pudesse me ajudar, explicar aquela situação em que eu me encontrava. Entrei de sala em sala, percorri corredores e nada adiantou, eu estava abandonado naquele hospital, se é que se pode chamar assim.

    A porta de saída estava semi-aberta, eu poderia ganhar a rua, porém uma força estranha me impedia de fazê-lo, algo me mantinha preso naquele imenso ambiente. Comecei a ouvir sons estranhos como sussurros e gargalhadas, portas batendo, passos, mas nada fazia com que eu visse pessoas por ali. Meu cérebro começou a captar informações, me foram chegando lembranças até então esquecidas, tendo eu a noção exata de que não mais pertencia ao mundo dos vivos. Chorei copiosamente, me pus a andar sem rumo, tentei sair dali, mas a força estranha não permitia, me obrigava a ficar ali, sem saber a razão, um verdadeiro inferno essa minha “vida”.

    Agora lembro perfeitamente o que aconteceu, o que me fez parar ali. Uma doença se instalou em meu corpo, passei meses internado sem chances de melhora, até que um certo dia um médico resolveu me dar alta alegando para a família que era melhor morrer em casa do que naquele hospital, onde não existiam recursos, os equipamentos estavam quebrados e em pouco tempo iria fechar, enviando alguns dos pacientes para outros hospitais. Eu me recusei a sair dali, para mim estava ótimo, se tivesse de morrer que fosse ali. Foi então que me aplicaram uma injeção e me fizeram adormecer, acordando longos anos depois, quando o hospital já havia fechado, ficando o antigo prédio abandonado.

    Meu espírito resolvera permanecer ali, assim desejava. Quando meu corpo em vida fora encaminhado para minha casa meu espírito fora contra, dali não arredou o pé e agora vive nesse antigo hospital, sem poder visitar o mundo lá fora, o mundo dos vivos. Meu mundo agora era aquele, naquela solidão, convivendo com fantasmas.             

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