A antiga janela do quarto deixou entrar
através da vidraça fosca uma claridade vinda do sol. O silêncio naquele momento
me incomodava bastante, haja vista que antes escutava falatórios, pessoas
entrando e saindo, médicos e enfermeiras pra lá e pra cá, enfim um movimento
intenso. Eu acabara de despertar de um sono que me pareceu uma eternidade, tão
longo que quase não me lembrava dos detalhes de estar ali naquele hospital
público, sem as mínimas condições de higiene, com falta de medicamentos, um
total descaso com a vida humana. Estranhei não ver ninguém ao meu lado, nenhuma
enfermeira ou médico e nenhum paciente como eu. Afinal, onde estavam todos? O
que teria acontecido para me deixarem só naquele ambiente que só cheirava a
mofo, onde se viam teias de aranha e muita poeira? Isso era um hospital ou um
depósito de sucatas? Sim, porque até os equipamentos que ali estavam eram velhos
e enferrujados, roupas e panos limpos não se via, o caos era geral.
Tinha dado um tempo para ver se aparecia
alguém, se iam me administrar algum medicamento, mas o tempo passava e nada,
nenhum sinal de vida naquele lugar que mais parecia um cemitério, foi então que
percebi que não estava inválido, que poderia reunir forças e até levantar. Foi
o que justamente fiz, deixando aquela cama fétida, nem os aparelhos estavam
mais ligados à mim. Tudo era estranho e eu resolvi investigar, caminhando até o
corredor, procurar uma viv’alma que pudesse me ajudar, explicar aquela situação
em que eu me encontrava. Entrei de sala em sala, percorri corredores e nada
adiantou, eu estava abandonado naquele hospital, se é que se pode chamar assim.
A porta de saída estava semi-aberta, eu
poderia ganhar a rua, porém uma força estranha me impedia de fazê-lo, algo me
mantinha preso naquele imenso ambiente. Comecei a ouvir sons estranhos como
sussurros e gargalhadas, portas batendo, passos, mas nada fazia com que eu
visse pessoas por ali. Meu cérebro começou a captar informações, me foram
chegando lembranças até então esquecidas, tendo eu a noção exata de que não
mais pertencia ao mundo dos vivos. Chorei copiosamente, me pus a andar sem
rumo, tentei sair dali, mas a força estranha não permitia, me obrigava a ficar
ali, sem saber a razão, um verdadeiro inferno essa minha “vida”.
Agora lembro perfeitamente o que aconteceu,
o que me fez parar ali. Uma doença se instalou em meu corpo, passei meses
internado sem chances de melhora, até que um certo dia um médico resolveu me
dar alta alegando para a família que era melhor morrer em casa do que naquele
hospital, onde não existiam recursos, os equipamentos estavam quebrados e em
pouco tempo iria fechar, enviando alguns dos pacientes para outros hospitais.
Eu me recusei a sair dali, para mim estava ótimo, se tivesse de morrer que fosse
ali. Foi então que me aplicaram uma injeção e me fizeram adormecer, acordando
longos anos depois, quando o hospital já havia fechado, ficando o antigo prédio
abandonado.
Meu espírito resolvera permanecer ali,
assim desejava. Quando meu corpo em vida fora encaminhado para minha casa meu
espírito fora contra, dali não arredou o pé e agora vive nesse antigo hospital,
sem poder visitar o mundo lá fora, o mundo dos vivos. Meu mundo agora era
aquele, naquela solidão, convivendo com fantasmas.
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