Voltei àquela cidade de onde eu parti um certo dia, sentia vontade de
rever velhos amigos e conhecidos, queria saber como estava o lugar onde morei
por muitos anos, onde trabalhei, onde conquistei o meu futuro. Passei por
dificuldades, o que é natural no ser humano, aprendi coisas que hoje poucos se
interessam, como o respeito e a honra, amei e construí a minha família, filhos
que atualmente vivem suas vidas independentes da minha presença, mas que sabem
que existe um pai que os ama.
Parei o carro numa praça, onde outrora não existia e vi que minha cidade
mudara e muito, estava em pleno desenvolvimento. As antigas ruas sem calçamento
agora estavam pavimentadas, com lojas e armazéns onde antigamente eram simples
residências, tendo sido reformadas para tal. Abracei antigos conhecidos, velhos
amigos que brincaram comigo nos idos anos de minha adolescência, relembrando
assuntos que nos faziam rir. O menino Tião era dono de uma padaria, aquele
mesmo menino que sempre me pedia um pedaço de pão quando eu estava sentado na
porta de casa, depois do café da manhã. O Pedrinho, aquele pestinha que me
infernizava nas peladas de futebol, dando dribles e rindo de mim, era o dono de
um armazém de construção. Leda era uma garota bem sapeca com quem tive um
namorico, nunca gostou de mim e estava sempre à procura de um novo namorado que
apreciasse os seus gostos. Hoje era uma senhora viúva, morando com uma filha
que tinha um salão de beleza.
Foram momentos de alegria e prazer, revivendo um passado que me fez
voltar a ser criança, deslumbrado com as belezas da cidade modificada pelo
progresso. A impressão era de que eu nunca tinha saído dali, principalmente
quando me vi na frente da casa onde morei desde o nascimento. Me deu uma
tristeza danada quando adentrei aquela residência, um pouco modificada e com
novos donos. A saudade me abalou profundamente, tive vontade de não mais deixar
essa cidade, de reviver esses momentos com mais intensidade, mas eu tive de
acordar para a realidade, pois o meu mundo agora era outro, precisava aceitar
isso.
Antes de partir me lembrei de Samuel, um rapaz arrogante, bem mais velho
que eu. Ele costumava arranjar encrenca com todo mundo, gostava de tomar as
namoradas dos conhecidos e era tido como um “Don Juan” da cidade, sempre
ostentando um colar de prata que não tirava do pescoço. Perguntei por ele e me
disseram que se encontrava enfermo, sem família, num leito de hospital. Resolvi
visitá-lo, o que pouca gente fazia, preferiam até que ele morresse, pois na época
não era bem quisto e nem a própria mãe o aguentava. Cheguei ao hospital e me
dirigi até o quarto onde estava internado, ficando triste com a cena que
presenciei. Samuel demorou para me reconhecer e até chorou junto comigo, pois
não me contive. Apesar das maldades que ele praticara, o tempo se encarregou de
puni-lo e eu, sinceramente, o perdoo pelos seus atos. Naquele momento ele não
reunia as mínimas condições de recuperação, só Deus poderia fazer algo por ele.
A doença o consumia diariamente, os médicos já o tinham desenganado. A doença
afetara seus pulmões por conta do uso demasiado de cigarro e o álcool comprometera
seu fígado.
Naquele mesmo dia voltei para casa levando boas lembranças da minha
cidade natal, com exceção da situação de Samuel, de quem me compadeci muito.
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