A bela manhã de primavera me fez descer do sobrado para dar uma volta em
torno da praça que ficava em frente da minha residência. Era uma praça enorme, bastante
arborizada, onde se ouvia o canto dos pássaros e se via as pessoas em suas
caminhadas matinais, onde as crianças brincavam vigiadas por suas mães ou
babás, onde alguns idosos como eu gostavam de matar o tempo conversando com
alguém ou simplesmente lendo ou contemplando a beleza do local. Para mim era
maravilhoso estar naquele lugar, longe do barulho de automóveis de um trânsito
caótico, longe dos problemas do dia-a-dia, somente mergulhado em pensamentos que
me faziam imaginar um mundo melhor, um mundo de fantasias.
Estranhamente nesse dia a praça parecia estar deserta, apenas com a
presença de poucas pessoas e nenhuma criança a brincar. Eu não sei por qual
motivo resolvi descer justamente nesse dia, apesar de ser um dia agradável, em
plena estação das flores. Algo deve ter me levado a isso e eu ali estava,
naquela praça que imaginava ser minha, me sentando em um banco para o início de
uma viagem rumo do mundo da fantasia, da imaginação fértil e que me fazia muito
bem. Notei que uma jovem ali estava, sentada em um banco, talvez meditando como
eu, apesar de ser uma estranha para mim, pois nunca a tinha visto antes. Ela
parecia concentrada em algo, sempre imóvel, o olhar perdido na copa das árvores
como a admirar algum pássaro ou o simples balançar das folhas ao vento. O que
me chamou a atenção foram algumas lágrimas que desciam de seus olhos, momento
em que ela suavemente as enxugava com um lenço. Aquilo me comoveu e me
desconcentrou, me fez adiar a viagem que faria ao meu mundo de fantasias,
preferindo deixar para outra ocasião. Aquela jovem me fez pensar que algum
problema a preocupava, que algo de ruim pudesse estar acontecendo em sua vida.
Tive vontade de ir até ela, já que estava a poucos metros de mim, saber se
precisava de ajuda, mas me contive, esperei um pouco para ver algum desfecho.
Ela permanecia calma e imóvel, com o olhar sempre direcionado para as árvores e
eu achei por bem não atrapalhar a sua concentração. Me virei um pouco para
pegar um livro que estava do meu lado para tentar ler alguma coisa e quando me
dei conta a moça já estava indo embora, caminhando em passos lentos,
atravessando a rua e sumindo na esquina. Fiquei preocupado e não mais me
concentrei em nada, preferindo voltar para o sobrado. À noite eu dormi com
aquela imagem na cabeça, imaginando um sério problema na vida dela.
Na manhã seguinte resolvi descer na esperança de encontrá-la novamente e
foi justamente o que aconteceu. Lá estava ela sentadinha no mesmo banco e o
mesmo olhar triste para a copa das árvores.
- “Ah! Dessa vez ela não me escapa” –
pensei.
Minha concentração estava toda nela,
não desviava o meu olhar para nada e até procurei me aproximar mais, depois de
esperar alguns minutos. Me sentei ao seu lado e dei um “bom dia” bem cortês
para não assustá-la, esperando então a sua reação. Ela respondeu docemente e
até ensaiou um sorriso, tão doce quanto a sua voz. Começamos então a conversar
sem ir diretamente ao assunto, falando de coisas triviais. Ela enxugou um resto
de lágrimas que estavam em seus olhos e aí eu perguntei por que chorava,
perguntando em seguida o seu nome. “Júlia”, respondeu com certa euforia, o que
me surpreendeu.
- Qual o seu problema, Júlia? Posso
saber?
Iniciamos aí um papo bem a vontade,
dando tempo para que Júlia falasse, evitando o máximo interrompê-la. Ela então
me revelou que os pais haviam se separado, ele saindo de casa e ela
permanecendo com a mãe, que não parava de chorar também. Para não ver aquela
cena Júlia preferia sair para a praça em busca de sossego, em busca de paz. Ela
amava muito o pai e não entendia o motivo da separação, apesar dos seus doze
anos. Começou a chorar com mais intensidade e fui obrigado a ampará-la, tinha
idade de ser minha neta. Me comovi tanto que acabei chorando junto com Júlia.
Depois de alguns minutos e preocupado com a sua segurança e fragilidade
emocional, resolvi levá-la em casa, momento em que ela me apresentou como um
amigo especial enviado por Deus por ter-lhe dado alguns conselhos. Percebi que
sua mãe havia chorado e fiz o que pude para que a paz de espírito voltasse
àquele lar.
Diariamente eu ia visitar Júlia, saber como estava, já que ficava perto
do meu sobrado. Ficamos amigos e ela não precisou mais sair sozinha para a
praça, a pedido meu. Passávamos horas a conversar e o meu modo de vida de certa
forma mudou. Algumas vezes frequentava a praça para minhas meditações, mas na
maioria das vezes estava a visitar Júlia e apreciar o seu sorriso, sorriso esse
que mudou depois de alguns dias quando seu pai decidiu voltar para casa. Júlia
então sorria de satisfação.
(Este conto é uma homenagem a minha neta mais velha, 8 anos, que
se chama Maria Júlia)
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