sexta-feira, 19 de outubro de 2012

J Ú L I A


 
    A bela manhã de primavera me fez descer do sobrado para dar uma volta em torno da praça que ficava em frente da minha residência. Era uma praça enorme, bastante arborizada, onde se ouvia o canto dos pássaros e se via as pessoas em suas caminhadas matinais, onde as crianças brincavam vigiadas por suas mães ou babás, onde alguns idosos como eu gostavam de matar o tempo conversando com alguém ou simplesmente lendo ou contemplando a beleza do local. Para mim era maravilhoso estar naquele lugar, longe do barulho de automóveis de um trânsito caótico, longe dos problemas do dia-a-dia, somente mergulhado em pensamentos que me faziam imaginar um mundo melhor, um mundo de fantasias.

    Estranhamente nesse dia a praça parecia estar deserta, apenas com a presença de poucas pessoas e nenhuma criança a brincar. Eu não sei por qual motivo resolvi descer justamente nesse dia, apesar de ser um dia agradável, em plena estação das flores. Algo deve ter me levado a isso e eu ali estava, naquela praça que imaginava ser minha, me sentando em um banco para o início de uma viagem rumo do mundo da fantasia, da imaginação fértil e que me fazia muito bem. Notei que uma jovem ali estava, sentada em um banco, talvez meditando como eu, apesar de ser uma estranha para mim, pois nunca a tinha visto antes. Ela parecia concentrada em algo, sempre imóvel, o olhar perdido na copa das árvores como a admirar algum pássaro ou o simples balançar das folhas ao vento. O que me chamou a atenção foram algumas lágrimas que desciam de seus olhos, momento em que ela suavemente as enxugava com um lenço. Aquilo me comoveu e me desconcentrou, me fez adiar a viagem que faria ao meu mundo de fantasias, preferindo deixar para outra ocasião. Aquela jovem me fez pensar que algum problema a preocupava, que algo de ruim pudesse estar acontecendo em sua vida. Tive vontade de ir até ela, já que estava a poucos metros de mim, saber se precisava de ajuda, mas me contive, esperei um pouco para ver algum desfecho. Ela permanecia calma e imóvel, com o olhar sempre direcionado para as árvores e eu achei por bem não atrapalhar a sua concentração. Me virei um pouco para pegar um livro que estava do meu lado para tentar ler alguma coisa e quando me dei conta a moça já estava indo embora, caminhando em passos lentos, atravessando a rua e sumindo na esquina. Fiquei preocupado e não mais me concentrei em nada, preferindo voltar para o sobrado. À noite eu dormi com aquela imagem na cabeça, imaginando um sério problema na vida dela.
    Na manhã seguinte resolvi descer na esperança de encontrá-la novamente e foi justamente o que aconteceu. Lá estava ela sentadinha no mesmo banco e o mesmo olhar triste para a copa das árvores.

- “Ah! Dessa vez ela não me escapa” – pensei.
Minha concentração estava toda nela, não desviava o meu olhar para nada e até procurei me aproximar mais, depois de esperar alguns minutos. Me sentei ao seu lado e dei um “bom dia” bem cortês para não assustá-la, esperando então a sua reação. Ela respondeu docemente e até ensaiou um sorriso, tão doce quanto a sua voz. Começamos então a conversar sem ir diretamente ao assunto, falando de coisas triviais. Ela enxugou um resto de lágrimas que estavam em seus olhos e aí eu perguntei por que chorava, perguntando em seguida o seu nome. “Júlia”, respondeu com certa euforia, o que me surpreendeu.
- Qual o seu problema, Júlia? Posso saber?
Iniciamos aí um papo bem a vontade, dando tempo para que Júlia falasse, evitando o máximo interrompê-la. Ela então me revelou que os pais haviam se separado, ele saindo de casa e ela permanecendo com a mãe, que não parava de chorar também. Para não ver aquela cena Júlia preferia sair para a praça em busca de sossego, em busca de paz. Ela amava muito o pai e não entendia o motivo da separação, apesar dos seus doze anos. Começou a chorar com mais intensidade e fui obrigado a ampará-la, tinha idade de ser minha neta. Me comovi tanto que acabei chorando junto com Júlia. Depois de alguns minutos e preocupado com a sua segurança e fragilidade emocional, resolvi levá-la em casa, momento em que ela me apresentou como um amigo especial enviado por Deus por ter-lhe dado alguns conselhos. Percebi que sua mãe havia chorado e fiz o que pude para que a paz de espírito voltasse àquele lar.
    Diariamente eu ia visitar Júlia, saber como estava, já que ficava perto do meu sobrado. Ficamos amigos e ela não precisou mais sair sozinha para a praça, a pedido meu. Passávamos horas a conversar e o meu modo de vida de certa forma mudou. Algumas vezes frequentava a praça para minhas meditações, mas na maioria das vezes estava a visitar Júlia e apreciar o seu sorriso, sorriso esse que mudou depois de alguns dias quando seu pai decidiu voltar para casa. Júlia então sorria de satisfação.
(Este conto é uma homenagem a minha neta mais velha, 8 anos, que se chama Maria Júlia)

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