A porta do quarto escancarada me deixava ver apenas o que acontecia na
sala, pessoas da família em movimentos habituais, na faxina ou apenas
conversando. Vez ou outra um visitante entrava, dialogava com o pessoal e em
seguida entrava no meu quarto e me cumprimentava, perguntando se eu estava bem.
Eu mal podia falar, tinha uma imensa dificuldade para isso e só balbuciava
algumas palavras que pouco eram compreendidas. A doença me arrasava a cada dia
e todos já estavam acostumados com essa cena, um velho moribundo em cima de uma
cama onde fazia todas as suas necessidades, desde a alimentação até a higiene
pessoal. Era impossível levantar-me para ver o que acontecia na rua ou em outro
cômodo da imensa casa, pelo menos desde os últimos doze anos.
Durante algumas noites, acredito que durante o sono, eu me via
perfeitamente bem, levantava da cama, caminhava pelos diversos cômodos da casa,
apesar da escuridão, sentia uma tranquilidade incrível, não compatível com o
meu estado deplorável e chegava até a janela para observar a rua deserta. Nada
via além da escuridão, voltando em seguida para a cama como se uma força
estranha me forçasse a isso. Nesse momento eu despertava, mas a impressão
nítida era de que não era um sonho, eu realmente me levantara e caminhara pela
casa. Talvez eu estivesse enganado, mas era essa a minha situação.
Quando o dia clareava eu via a sala deserta, as pessoas demoravam para
acordar. Eu ficava esperando o asseio normal, a primeira refeição e desejava
que tudo se acabasse de vez, que eu desse o meu último suspiro para poder me
livrar dessa vida insuportável, quem sabe em espírito, como no sonho, poder
caminhar pelos cômodos da casa e até ir até a rua e vê-la sem a escuridão.
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