Passaram-se cincoenta anos desde que Diego deixou a sua cidadezinha
natal, situada nas proximidades de montanhas e de um clima agradável, onde a
relva causava encantamento. Fora viver na chamada cidade grande, onde o desenvolvimento
era visto, onde podia circular entre os veículos e se deslumbrar com os
imponentes prédios. Era o sonho de muitos jovens que não se conformavam com a
vida no campo, com o povoado pacato do interior, abandonando a família para
tentar a vida na capital próspera.
O tempo
passou tão rapidamente que Diego não percebeu, sentia apenas a saudade dos familiares,
o sabor da comida caseira lhe fazia falta, os divertimentos com os amigos também,
mas estava decidido a vencer todos os obstáculos, queria dar uma vida melhor
também para os seus e foi justamente o que ocorreu quando se fixou num bom
emprego, levando todos para a cidade grande, a vida pacata do interior não mais
preocupava Diego.
Mais
alguns anos se passaram e Diego estava novamente só, como nos tempos da sua
chegada na cidade grande. Tinha trazido a família para junto de si, tinha
casado e tido filhos, viu os pais falecerem em decorrência do tempo, viu os
filhos crescerem, estudarem, se formarem e tomarem cada um seus rumos. A
esposa, única companhia na sua velhice, viera a adoecer, chegando a óbito.
Diego se viu só no mundo vendo o tempo passar, não se preocupando mais em
arranjar nova companheira, preferiu a solidão, aquela mesma solidão que sentira
há cincoenta anos atrás quando de sua chegada na cidade onde resolveu se
estabelecer.
O tempo
passado o fazia refletir, lembrava do tempo da sua mocidade, da sua cidade
natal, a qual não mais tinha visitado, desde que saiu de lá aos 22 anos de
idade. Sentiu nova saudade agora que estava novamente só, sentiu o desejo de
rever aquele lugarejo pobre, sem desenvolvimento, que abandonara na juventude.
Queria estar lá, ver como estava, se ainda existiam pessoas do seu relacionamento,
queria ver a velha casa de taipa onde residira. Resolveu ir até lá, matar essa
vontade incontrolável que sentia, viajando no dia seguinte, já que não tinha
mais nenhum compromisso com o trabalho e os filhos tinham suas próprias vidas.
Chegou no
início de uma tarde quente, desceu do ônibus e começou a caminhar pela cidade,
agora com ruas pavimentadas. Seu único desejo era rever velhos amigos e
conhecidos e seu olhar se fixou em todos os limites da cidadezinha que foi o
seu berço e viu a figura de dona Alzira se aproximando, sorridente, essa velha
senhora encarregada de cuidar da sua casa, ajudando a mãe quando ele era um
menino. Ao lado dela vinha seu Adamastor, o dono da mercearia onde comprava
gêneros alimentícios fiado, sendo o valor anotado numa caderneta. Sentado em um
banquinho de madeira estava seu Nestor, pitando o velho cachimbo e dando boas
baforadas, coisa que Diego estava cansado de ver. Dois grandes amigos seus o
surpreendeu por trás querendo abraçá-lo, deixando-o contente com essa visão.
Seguiu até a antiga casa onde viveu como menino obediente, observando pela
janela o seu interior, percebendo que ali estavam os mesmos móveis dos seus pais,
o retrato do casal pendurado na parede. Na cozinha ainda existia a velha jarra
onde tomava água fresca para matar a sede quando voltava da pelada no campinho
de barro situado nas proximidades. Diego avistou a antiga escolinha particular
onde aprendeu as primeiras letras e no portão lá estava dona Rosalva, a
professora com aquele mesmo corpo magrinho, sorrindo como se estivesse convidando-o
para abraçá-la. Ele se comoveu e deixou escapar algumas lágrimas de remorso
quando se lembrou que a enganava, fingindo que estava doente para poder gazear
aula e ir bater bola com os amigos, entre eles o Paulo, o mais sapeca, que
nesse momento passava correndo e o cumprimentava rapidamente.
Nada disso
Diego vivenciou, foi apenas a sua fértil mente que o fez “ver” todos esses
fatos. Na verdade ele estava decepcionado com o que vira, com o que o progresso
fez com a sua cidadezinha natal. A velha residência não mais existia, pois por
ali passou uma estrada, dona Alzira não era mais viva, seu Adamastor deixara a
cidade e a notícia que teve foi de que também já era falecido. Seu Nestor, de
tanto fumar cachimbo, fora acometido de uma doença no pulmão e passou anos entre
internações no hospital público da cidade e o sofrimento na solidão de sua
antiga casa, batendo as botas em seguida. Seus antigos amigos não mais residiam
ali e não teve notícias deles, nem do sapeca Paulo que era muito conhecido.
Diego se viu só mais uma vez, chegou até a chorar quando passou em frente ao
prédio onde funcionava a escola e soube que dona Rosalva, a velha professora,
havia se aposentado, vindo a falecer anos depois. A antiga escola agora era um
prédio destruído e abandonado, com muito mato ao redor.
Diego
voltou triste para a cidade grande, agora a sua cidade, onde conheceu a nova
vida, onde ele constituiu a sua família, onde deve viver o resto dos seus dias,
agora que já completou 75 anos.
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