segunda-feira, 26 de agosto de 2013

LEMBRANÇAS DA ANTIGA CIDADE NATAL

   Passaram-se cincoenta anos desde que Diego deixou a sua cidadezinha natal, situada nas proximidades de montanhas e de um clima agradável, onde a relva causava encantamento. Fora viver na chamada cidade grande, onde o desenvolvimento era visto, onde podia circular entre os veículos e se deslumbrar com os imponentes prédios. Era o sonho de muitos jovens que não se conformavam com a vida no campo, com o povoado pacato do interior, abandonando a família para tentar a vida na capital próspera.
   O tempo passou tão rapidamente que Diego não percebeu, sentia apenas a saudade dos familiares, o sabor da comida caseira lhe fazia falta, os divertimentos com os amigos também, mas estava decidido a vencer todos os obstáculos, queria dar uma vida melhor também para os seus e foi justamente o que ocorreu quando se fixou num bom emprego, levando todos para a cidade grande, a vida pacata do interior não mais preocupava Diego.
   Mais alguns anos se passaram e Diego estava novamente só, como nos tempos da sua chegada na cidade grande. Tinha trazido a família para junto de si, tinha casado e tido filhos, viu os pais falecerem em decorrência do tempo, viu os filhos crescerem, estudarem, se formarem e tomarem cada um seus rumos. A esposa, única companhia na sua velhice, viera a adoecer, chegando a óbito. Diego se viu só no mundo vendo o tempo passar, não se preocupando mais em arranjar nova companheira, preferiu a solidão, aquela mesma solidão que sentira há cincoenta anos atrás quando de sua chegada na cidade onde resolveu se estabelecer.
   O tempo passado o fazia refletir, lembrava do tempo da sua mocidade, da sua cidade natal, a qual não mais tinha visitado, desde que saiu de lá aos 22 anos de idade. Sentiu nova saudade agora que estava novamente só, sentiu o desejo de rever aquele lugarejo pobre, sem desenvolvimento, que abandonara na juventude. Queria estar lá, ver como estava, se ainda existiam pessoas do seu relacionamento, queria ver a velha casa de taipa onde residira. Resolveu ir até lá, matar essa vontade incontrolável que sentia, viajando no dia seguinte, já que não tinha mais nenhum compromisso com o trabalho e os filhos tinham suas próprias vidas.
   Chegou no início de uma tarde quente, desceu do ônibus e começou a caminhar pela cidade, agora com ruas pavimentadas. Seu único desejo era rever velhos amigos e conhecidos e seu olhar se fixou em todos os limites da cidadezinha que foi o seu berço e viu a figura de dona Alzira se aproximando, sorridente, essa velha senhora encarregada de cuidar da sua casa, ajudando a mãe quando ele era um menino. Ao lado dela vinha seu Adamastor, o dono da mercearia onde comprava gêneros alimentícios fiado, sendo o valor anotado numa caderneta. Sentado em um banquinho de madeira estava seu Nestor, pitando o velho cachimbo e dando boas baforadas, coisa que Diego estava cansado de ver. Dois grandes amigos seus o surpreendeu por trás querendo abraçá-lo, deixando-o contente com essa visão. Seguiu até a antiga casa onde viveu como menino obediente, observando pela janela o seu interior, percebendo que ali estavam os mesmos móveis dos seus pais, o retrato do casal pendurado na parede. Na cozinha ainda existia a velha jarra onde tomava água fresca para matar a sede quando voltava da pelada no campinho de barro situado nas proximidades. Diego avistou a antiga escolinha particular onde aprendeu as primeiras letras e no portão lá estava dona Rosalva, a professora com aquele mesmo corpo magrinho, sorrindo como se estivesse convidando-o para abraçá-la. Ele se comoveu e deixou escapar algumas lágrimas de remorso quando se lembrou que a enganava, fingindo que estava doente para poder gazear aula e ir bater bola com os amigos, entre eles o Paulo, o mais sapeca, que nesse momento passava correndo e o cumprimentava rapidamente.
   Nada disso Diego vivenciou, foi apenas a sua fértil mente que o fez “ver” todos esses fatos. Na verdade ele estava decepcionado com o que vira, com o que o progresso fez com a sua cidadezinha natal. A velha residência não mais existia, pois por ali passou uma estrada, dona Alzira não era mais viva, seu Adamastor deixara a cidade e a notícia que teve foi de que também já era falecido. Seu Nestor, de tanto fumar cachimbo, fora acometido de uma doença no pulmão e passou anos entre internações no hospital público da cidade e o sofrimento na solidão de sua antiga casa, batendo as botas em seguida. Seus antigos amigos não mais residiam ali e não teve notícias deles, nem do sapeca Paulo que era muito conhecido. Diego se viu só mais uma vez, chegou até a chorar quando passou em frente ao prédio onde funcionava a escola e soube que dona Rosalva, a velha professora, havia se aposentado, vindo a falecer anos depois. A antiga escola agora era um prédio destruído e abandonado, com muito mato ao redor.

   Diego voltou triste para a cidade grande, agora a sua cidade, onde conheceu a nova vida, onde ele constituiu a sua família, onde deve viver o resto dos seus dias, agora que já completou 75 anos.

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