Rosana acordou assustada com a forte
ventania durante a madrugada. O vento penetrava pelas frestas da janela,
empurrando com a sua força a água da chuva que ora caía. O frio tomou conta do
seu corpo e ela pensou em se cobrir quando um barulho forte se ouviu na
cozinha, fazendo-a levantar-se para ver do que se tratava. Estava sozinha em
casa, pois seu marido nessa noite estava trabalhando como médico plantonista em
um hospital da cidade, devendo largar pela manhã. Já estava acostumada e não
sentia medo algum, mas nessa noite ela apresentou um certo receio, como se
estivesse imaginando que algo de ruim pudesse acontecer.
Dias antes ela tivera um sonho estranho,
quando uma mulher a convidava para um passeio em um lugar totalmente
desconhecido para ela. Queria lhe mostrar algo interessante, mas não sabia do
que se tratava. Levada pela curiosidade, Rosana aceitou o convite e acompanhou
a mulher, mesmo morrendo de medo. Depois de andarem por um certo tempo, Rosana
percebeu figuras estranhas ao seu lado que surgiram de repente e sem saber de
onde. Aos poucos outras figuras grotescas foram aparecendo e ela começou a
entrar em pânico. A mulher que a acompanhava sumiu como por encanto e Rosana
começou a gritar, acordando molhada de suor. Contou o sonho para o marido que
achou uma coisa natural e não mais se tocou no assunto.
A chuva caía mais forte ainda, mas mesmo
assim ela se dirigiu para a cozinha. Abriu a porta, já que a área externa era
gradeada, caminhando alguns passos, sentindo a força da ventania. Nesse momento
uma pesada telha se desprendeu do teto, partindo-se antes de atingir o chão,
tendo um dos pedaços atingido Rosana na cabeça, derrubando-a. Sentiu a cabeça
rodar e uma forte dor, permanecendo imóvel no solo por alguns minutos. Após
esse tempo ela conseguiu se levantar e notou que nada sentia, a dor
desaparecera instantaneamente, caminhando em direção ao quintal da casa,
atravessando a grade sem sequer abri-la. Quase nem percebeu esse detalhe dado o
estado de quase inconsciência em que se encontrava. Nem a chuva a molhava, o
vento não a tocava, a dor desaparecera como por encanto. Passou a mão na cabeça
para ver se havia algum ferimento e nada encontrou. Olhou para trás, em direção
a cozinha e viu um corpo caído, todo ensanguentado. Era um corpo de mulher que
se vestia exatamente igual a ela, o que a apavorou. Mas estava tão confusa
mentalmente que não se preocupou muito, achando que não poderia ser ela
própria, era impossível, pois estava ali, estava se sentindo bem, apesar da
tontura e da perturbação em sua mente.
Uma cortina de esquecimento envolveu
Rosana e agora ela se via em um lugar desconhecido, caminhando lentamente, para
onde não sabia. Ao seu lado uma mulher que ela não reconheceu, que a induzia a
segui-la, que a levava para algum canto e que não tinha coragem de perguntar.
Olhou fixamente para a mulher, tentou identificá-la, saber se a conhecia. Ficou
imaginando se estava sonhando, tentando se beliscar, tentando por a mente para
funcionar. Fez tanto esforço que acabou se lembrando. Sim, era ela mesma, era a
mulher do sonho, daquele sonho estranho que seu marido achava que não era nada
demais. Sentiu pavor e começou a estremecer, a sentir arrepios, principalmente
quando viu aquelas figuras fantasmagóricas que a assustaram em seu sonho. A
mulher ao seu lado lhe sorriu e agradeceu por ter aceito o seu convite, faz
parte do seu mundo agora, esse mundo onde um dia todo ser humano irá fazer
parte. Rosana começava então a aceitar aquela situação, tinha a plena certeza
de que não mais pertencia ao mundo dos vivos e que teria que se acostumar com
essa nova realidade que lhe fora antecipada em um sonho.
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